
E aquela menininha de cinco anos, que há pouco estivera sentada em frente à tumba - na qual em doce sono descansa seu pai - agora levanta mulher. Forjada pelo fogo da dor do desamparo e pela experiência de amor que sobrevive além-morte, buscava apenas viver.
Quando levantou a cabeça, enxergou um dia novo. Cheio de novas luzes, cores, cheiros e sabores. Não soube dizer com a precisão de um palhaço - estes seres que muito sabem da vida – se este dia era mais ou menos belo e gostoso dos que, em outra tarde, experimentara ao lado do velho pai. Homem sábio, simples, de palavras fortes e sorriso fácil. Era apenas um novo dia.
Um dia que trazia as mesmas sementes que fazem germinar e crescer a vida. Também as dores das podas necessárias para que floresçam em beleza, colham frutos doces e tenros, depois adormeçam e cedam lugar para um outro plantio.
Talvez, o novo ali era a forma como a mulher aos cinco anos enxergava o dia. “Em tudo Deus põe um propósito. Sê feliz, filha”, ouviu o pai dizer.
Um flerte rápido com esta vida de olhar sedutor decodificara as dificuldades e os paradoxos pavorosos, em simples crônicas de leitura diária ou em notícias de algum matutino. Destes que circulam entre tantos desconhecidos, conhecedores de semelhantes infortúnios e dissabores. E forçava a dor única da menina-mulher a moldar-se ao tamanho que tem: nem maior, nem menor do que outras tantas estampadas na primeira página.
Assim, seguem os dias.
Algumas horas, ela finge ser mulher para agüentar a vida. E com uma canção de ninar põe para dormir os anseios e medos que a figura da morte - não mais aquela imagem esquálida, sombria, de túnica preta e cajado na mão - impunha. Agora, a percebia como um anjo, de asas translúcidas, que com ternura ceifa vidas entre campos de alegrias e sofrimentos. E recolhe almas num cântaro de preces a Deus. (a dele deve está num vaso lindo).
Outras, como uma menina de apenas cinco anos, não entende a morte. E lamenta, chora, levanta e vai ver televisão - à tarde sempre passam desenhos e filmes bobos, que se satisfazem em alimentar o imaginário humano com fáceis conclusões. Percebe no passado os pilares que a levaram até ali. Planeja o futuro. E, no presente, repete em silêncio uma oração de amor: “Obrigada”.
E de repente, a menina que sentara para chorar, ergue-se mulher. Arruma o vestido. Seca as lágrimas. Abre um grato sorriso e deposita a mais linda rosa, que jamais ofereceu em vida, no vaso junto à cova do pai. E o vê sorrindo, “Sê feliz, filha”. Antes de sair, um passarinho com seu enorme e rubro nariz de palhaço pousa no ombro e cochicha baixinho, para que as marmoreáveis lápides e seus epitáfios não se sintam menosprezadas: Basta amar!
E entende que não foi a morte, nem é a vida, mas o amor. Este laço em nó-de-marinheiro que une sem ferir e sem desatar em circunstância alguma, pais e filhos, casais, amigos. E dá a luz, a cor, o cheiro e o sabor para olhar e entender o novo mundo, que a cada dia floresce perante aos nossos olhos.
(* Texto escrito em Dezembro/2007 e publicado neste blog em setembro de 2008)
2 comentários:
Doce, forte...cheio de sonho dentro. Basta Amar! Sê Feliz! ...disse tudo.
você não existe Sarinha! Te admiro demais. beijos Mi
Perfeito. Gostoso. Intenso. Suave! bjs
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