quarta-feira, 24 de março de 2010

E se eu morresse amanhã?

E se eu morresse amanhã?
Diria que foi suficiente. O tempo, o amor, a vida. Moderada entre o vazio e o intenso. Nem muito, nem pouco. Na medida.

Saberia como é bom amar com todos os sentidos, até ficar sem um. E mais que saber, se sentir assim por alguém. Amada. Mesmo que hoje o sentimento ganhe outra conotação e se perca no comum.

Teria andado de skate, carroça de burros e avião. Subido em árvore, chupado manga no pé, levado picada de marimbondo e caído das nuvens direto no chão.

E contado estrelas, estripolias e alegrias. Até feito pedido para alguma cadente. E escrito uma crônica. Mesmo que sem graça, dessas que ao final não se ver motivos para comentar, quando muito, passar a frente.

Teria rodopiado, na ponta do pé, com aquela dança, ficado zonza com as dúvidas e do alto da roda-gigante lançado pitomba na população. Erguido castelos de areia e arquitetado planos de fuga e sedução. - Basta, nunca saíram do papel! Coisas de criança. Coisas de mulher: surtos de tpm ou outra coisa qualquer.

Teria ainda visto um gato nascer, uma coruja voar e um mundo desfarelar-se com a força de um não. Aprendido que com o tempo tudo pode ser refeito, melhor e mais bonito. Basta ter fé.

Provado o sal do mar e da lágrima. Adoçado a sopa, por engano, e a vida de alguém quase sem intenção. Azedado a panela de doce e por vezes a alma, além de amargar uma e outra desilusão.

Haveria rido com o palhaço, da dor e do escorregão. Contado piada infame. E chorado com a morte, por amor ou até a barriga doer de tanto rir. Encontrado paz na criança dormindo, no calor de um abraço e no silênio de uma oração: “Toma, Pai! Tu sabes e podes tudo que eu preciso. Eu confio em Ti”.

Se eu morresse amanhã, teria batido boca com o chefe, cabeça com o namorado e perna com a amiga. Comprado roupa na feira, corrido atrás de borboletas, cruzado o mundo pela internet e vencido brutamontes com a suavidade da pelica.

Teria me estressado com o cabelo, com o trabalho, o TCC e a festa de colação. E me emocionado com a vitória, com as histórias reportadas para esse ou aquele jornal e duvidado se vou seguir para sempre essa profissão.

Conheceria o gosto de uma decepção, de ser odiada a troco de nada, a importância de ser perdoada e a alegria de ganhar rosas sem uma ocasião.

Pintado o dia de amarelo, a unha de céu e a boca de vermelho. Encontrado bons amigos, algumas respostas e me perdido no desejo. E me encantado com um beija-flor, com a lábia barata de algum cafa e, nos momentos de desespero, dobrado o joelho e buscado o Senhor.

Se o tempo findasse rápido, buscaria ouvir teus olhos, a música favorita e aquele conselho de mãe. Mesmo que já não pudesse reverter o feito, tiraria daí mais uma lição. Brindaria a vida, comeria um chocolate com avelã e me envolveria nas asas dos três irmãos.

Lamentaria não saber nunca assobiar, fazer bola de chiclete e não ter um filho. Não ter criado outro labrador, comprado o sofá amarelo e nem conhecido o Cristo Redentor. Recordaria a melhor infância que meus pais puderam me dar e agradeceria a Deus por esta família.

E se amanhã me faltasse saúde, viveria a certeza de que os queridos, que enchem mais de uma mão, por amor e zelo, dedicariam a mim forças e ouvidos para ouvir minhas lembranças e lamúrias, como também para sustentar meu corpo e coração.

E quando eu já não estivesse aqui, com saudade e doçura, remexeriam meus sapatos, bonecas e livros e achariam algum escrito que diz: "Tão jovem e sonhadora viveu nem muito, nem pouco. O suficiente. E foi feliz".

4 comentários:

A Princesa do Castelo disse...

PERFEITO! PERFEITO! PERFEITO!
Simplesmente PERFEITO o seu texto.
ADOREI!!!!

Roberto Lucena disse...

Que coisa boa entrar na net, ver subir uma janelinha do MSN e o link para esse belísssimo texto surgir junto com o beijo dessa doçura de menina.
E que bom saber que fiz parte de alguns momentos relatados.
Lindo Sara.
Beijo!
Amo-te!

Michelle disse...

Forte e doce ao mesmo..como só você consegue..
Estou aqui na torcida pra reunir tudo isso num livro.. um dos mais lindos que virão por aí
sorte!
Mi

Debora disse...

Inspirada, hein moça? Adoro! =)