E se eu morresse amanhã?
Diria que foi suficiente. O tempo, o amor, a vida. Moderada entre o vazio e o intenso. Nem muito, nem pouco. Na medida.
Saberia como é bom amar com todos os sentidos, até ficar sem um. E mais que saber, se sentir assim por alguém. Amada. Mesmo que hoje o sentimento ganhe outra conotação e se perca no comum.
Teria andado de skate, carroça de burros e avião. Subido em árvore, chupado manga no pé, levado picada de marimbondo e caído das nuvens direto no chão.
E contado estrelas, estripolias e alegrias. Até feito pedido para alguma cadente. E escrito uma crônica. Mesmo que sem graça, dessas que ao final não se ver motivos para comentar, quando muito, passar a frente.
Teria rodopiado, na ponta do pé, com aquela dança, ficado zonza com as dúvidas e do alto da roda-gigante lançado pitomba na população. Erguido castelos de areia e arquitetado planos de fuga e sedução. - Basta, nunca saíram do papel! Coisas de criança. Coisas de mulher: surtos de tpm ou outra coisa qualquer.
Teria ainda visto um gato nascer, uma coruja voar e um mundo desfarelar-se com a força de um não. Aprendido que com o tempo tudo pode ser refeito, melhor e mais bonito. Basta ter fé.
Provado o sal do mar e da lágrima. Adoçado a sopa, por engano, e a vida de alguém quase sem intenção. Azedado a panela de doce e por vezes a alma, além de amargar uma e outra desilusão.
Haveria rido com o palhaço, da dor e do escorregão. Contado piada infame. E chorado com a morte, por amor ou até a barriga doer de tanto rir. Encontrado paz na criança dormindo, no calor de um abraço e no silênio de uma oração: “Toma, Pai! Tu sabes e podes tudo que eu preciso. Eu confio em Ti”.
Se eu morresse amanhã, teria batido boca com o chefe, cabeça com o namorado e perna com a amiga. Comprado roupa na feira, corrido atrás de borboletas, cruzado o mundo pela internet e vencido brutamontes com a suavidade da pelica.
Teria me estressado com o cabelo, com o trabalho, o TCC e a festa de colação. E me emocionado com a vitória, com as histórias reportadas para esse ou aquele jornal e duvidado se vou seguir para sempre essa profissão.
Conheceria o gosto de uma decepção, de ser odiada a troco de nada, a importância de ser perdoada e a alegria de ganhar rosas sem uma ocasião.
Pintado o dia de amarelo, a unha de céu e a boca de vermelho. Encontrado bons amigos, algumas respostas e me perdido no desejo. E me encantado com um beija-flor, com a lábia barata de algum cafa e, nos momentos de desespero, dobrado o joelho e buscado o Senhor.
Se o tempo findasse rápido, buscaria ouvir teus olhos, a música favorita e aquele conselho de mãe. Mesmo que já não pudesse reverter o feito, tiraria daí mais uma lição. Brindaria a vida, comeria um chocolate com avelã e me envolveria nas asas dos três irmãos.
Lamentaria não saber nunca assobiar, fazer bola de chiclete e não ter um filho. Não ter criado outro labrador, comprado o sofá amarelo e nem conhecido o Cristo Redentor. Recordaria a melhor infância que meus pais puderam me dar e agradeceria a Deus por esta família.
E se amanhã me faltasse saúde, viveria a certeza de que os queridos, que enchem mais de uma mão, por amor e zelo, dedicariam a mim forças e ouvidos para ouvir minhas lembranças e lamúrias, como também para sustentar meu corpo e coração.
E quando eu já não estivesse aqui, com saudade e doçura, remexeriam meus sapatos, bonecas e livros e achariam algum escrito que diz: "Tão jovem e sonhadora viveu nem muito, nem pouco. O suficiente. E foi feliz".
4 comentários:
PERFEITO! PERFEITO! PERFEITO!
Simplesmente PERFEITO o seu texto.
ADOREI!!!!
Que coisa boa entrar na net, ver subir uma janelinha do MSN e o link para esse belísssimo texto surgir junto com o beijo dessa doçura de menina.
E que bom saber que fiz parte de alguns momentos relatados.
Lindo Sara.
Beijo!
Amo-te!
Forte e doce ao mesmo..como só você consegue..
Estou aqui na torcida pra reunir tudo isso num livro.. um dos mais lindos que virão por aí
sorte!
Mi
Inspirada, hein moça? Adoro! =)
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